terça-feira, 26 de outubro de 2010

Judeus Espanhóis e Judeus Alemães reunidos em Israel


 QUINTA-FEIRA, 14 DE OUTUBRO DE 2010

Espanhóis vs. Alemães
Os Judeus, apesar do seu pequeno número em relação à população mundial – algo como
0,2% da humanidade –, são bastante variados em termos de costumes. Aquilo que em
hebraico se chama min’hag. Tradicionalmente dividem-se em sefarditas e askenazitas. Os
primeiros são provenientes da Península Ibérica (Sefarad em hebraico, que ainda hoje é
também o nome para Espanha) e dos países árabes. Os segundos são descendentes das
comunidades do Vale do Reno, na Alemanha (Ashkenaz em hebraico, ainda que hoje se lhe
chame Guermânia) e da Europa Oriental. Além destes, ainda há alguns pequenos grupos
como os judeus Italianos e os Iemenitas, que têm costumes muito próprios.
Minyan no Kotel. Onde se juntam todos os tipos de judeus.
A história de Sefarad fica marcada pela "Idade de Ouro do Judaísmo Espanhol" a qual
produziu génios como Maimónides (o Rambam) e Nachmânides (o Ramban), o Cuzarí e
dezenas de autores essenciais da filosofia e da literatura judaicas. Com a expulsão judaica
dos reinos ibéricos, os sefarditas espalharam-se por grande parte do Mundo Judaico.
Marrocos, Holanda, Itália, Grécia e o Império Otomano foram os principais destinos.
Com a descoberta do Novo Mundo em 1492 – o mesmo ano da Expulsão – e o início da
colonização das Américas, judeus e "cristãos-novos" também se estabeleceram no
Hemisfério Ocidental. A primeira sinagoga foi estabelecida por descendentes de Judeus
portugueses na cidade brasileira de Recife, durante a ocupação holandesa. Após a
reconquista da região pelos portugueses, os judeus escaparam para as Caraíbas (Curaçau,
Barbados, Jamaica) e a recém-fundada Nova Amesterdão, que seria mais tarde Nova
Iorque.
Em Portugal, Espanha e nas colónias – do México ao Brasil –, apesar da oficial Expulsão,
nascia o fenómeno dos Marranos (Anussim, em hebraico). Judeus por dentro, cristãos por
fora. Receosos da Inquisição sempre vigilante. As gerações passaram, a identidade foi-se
perdendo aos poucos, mas mantiveram-se estranhos costumes como acender velas sextafeira
ao anoitecer, jejuar uma vez por ano no começo do Outono, limpar a casa e não
comer nenhum alimento fermentado por voltas do início da Primavera. Para muitos, a
origem destes costumes era desconhecida. Para outros, a alma e a identidade judaica,
ainda que reprimidas, mantinham-se vivas. Em segredo.
Também na Europa Oriental a vida judaica era agitada de tempos a tempos por convulsões.
Aí, o pensamento judaico tradicional dividia-se entre as linhas hassídicas com a sua forte
componente mística e, em sua oposição, o racionalismo lituano fundador do moderno
conceito da yeshivá, a academia rabínica. O liberalismo napoleónico promoveu aos poucos
a integração dos Judeus à igualdade de cidadania. Ainda que a fera do anti-semitismo não
tenha sido extinta pelo humanismo liberal. Dentro do próprio Judaísmo, a maior abertura
social criou uma revolução. A Haskalá ou Iluminismo Judaico abriu caminho a um maior
liberalismo na religião e mais tarde à fundação do movimento reformista.
No final do século XIX e no início do século XX, campanhas de massacres da população
judaica às mãos de polacos, russos e dos cossacos ucranianos, levaram vários milhões de
judeus askenazitas a todo o mundo anglo-saxónico. Hoje, eles são a imensa maioria dos
judeus americanos, a maior comunidade da Diáspora Judaica. A liberdade americana fez
florescer a comunidade judaica, atingindo um nível de desenvolvimento cultural e social
nunca antes alcançado em qualquer outra etapa deste Exílio já bi-milenar.
Nas décadas de 1930-40, o Holocausto destruiu os maiores centros da vida judaica
europeia. Por ter atingido em especial a Europa do Leste, a enorme maioria dos seis
milhões de mortos judeus durante a Shoá eram askenazitas. Grupos hassídicos inteiros
foram exterminados na voragem da ocupação nazi. Na mesma época, também importantes
comunidades sefarditas como Salónica (Grécia), Sarajevo (Bósnia) e Amesterdão
praticamente desapareceram.
Logo após a independência israelita em 1948, com uma crescente onda de anti-semitismo
nos seus países de origem, mais de 800,000 judeus dos países árabes chegaram à Terra
Santa. Até aos anos de 1990, antes da grande onda de imigrantes da ex-União Soviética
que trouxe mais de um milhão de pessoas, os sefarditas compunham mais de 70% da
população judaica do país. Hoje, a proporção entre as duas comunidades é praticamente
idêntica, apenas com uma ligeira maioria de sefarditas. Porém, a nível mundial, a
população judaica é maioritariamente de origem askenazi, numa proporção de 4 para 5.
Na sua versão moderna, o sionismo teve a origem no Leste Europeu. Os principais
impulsionadores da ideia da fundação de um estado judeu na Terra de Israel eram
askenazitas. Eles foram os pioneiros das comunidades coletivas locais, os kibbutzim e
moshavim; fundadores das primeiras cidades judaicas da embrionária Israel e dos partidos
políticos originais no país. Desde o início do Estado de Israel, a política tem sido dominada
pelos askenazitas. Em 62 anos, todos os Primeiros-Ministros foram askenazitas. Entre os
Presidentes da República, apenas dois eram sefarditas, Moshe Katzav, nascido no Irão, e
Yitzhak Navon, descendente de uma família espanhola estabelecida em Jerusalém. Este
desequilíbrio na esfera política levou à fundação do Partido Shas, dirigido pelo grande
rabino Ovadia Yosef, é hoje o maior partido religioso em Israel e com uma crescente
influência política, participando em todas as coligações de governo desde os anos de 1990.
A integração na moderna sociedade israelita de estilo marcadamente europeu, foi
particularmente difícil para os judeus recém-chegados dos países árabes, provenientes de
sociedades tradicionais. A maioria dos recém-chegados foi alojada em cidades de tendas
construídas à pressa (as maabarot) ou insalubres "cidades de desenvolvimento" nas regiões
periféricas de Israel. A ruptura com o seu modo de vida tradicional era evidente. Muitos
haviam desfrutado de um elevado nível de vida nas suas terras de origem e na fuga à
perseguição haviam perdido todos os seus bens. Viver em comunidades agrícolas também
não foi bem sucedido, dado que nos países árabes os Judeus haviam sido mercadores e
artesãos, e raramente se dedicavam à agricultura. Tal como acontecera com os Judeus na
Europa medieval.
No novo país, composto por gente de tão variadas origens, recuperou-se a língua hebraica,
a língua nativa dos Judeus. Usada durante os 2000 anos da Diáspora somente no âmbito
religioso tornou-se o idioma da vida diária. Os askenazitas, falantes do yiddish, alemão,
húngaro ou russo, contribuíram com a forma moderna do alfabeto. Os sefarditas, falantes
do ladino, árabe, persa ou bukhari deram a sua pronúncia ao idioma moderno. Numa piada
um pouco cínica, alguém definiu esta simbiose com a expressão bíblica "A mão de Esaú e a
voz de Jacob".
Ainda hoje existe um certo sentimento de inferioridade dos judeus sefarditas em relação
aos askenazitas. Todavia, a tendência parece visionar uma crescente influência dos
sefarditas. A demografia joga a seu favor. Afinal, estes compõem a maioria dos judeus
religiosos, que têm mais filhos que os seculares. Ainda que a face mais visível do judaísmo
ortodoxo em Israel sejam os haredim askenazitas, notados pelas suas capotas negras e os
shtreimels (chapéus de pêlo usados no Shabbat e dias festivos), estes são na verdade
minoritários no panorama religioso em Israel. Por outro lado, os judeus tradicionalistas ou
massoratim (não confundir com os adeptos do Movimento Masorti, uma denominação do
Judaísmo Conservador) são parte de um fenómeno característico do público sefardita em
Israel. Em geral, os askenazitas ou são ortodoxos ou declaradamente seculares. Esse "meio
-termo entre a tradição e a modernidade" é a regra dos sefarditas não ortodoxos. E é raro
encontrar um sefardita obstinadamente laico e totalmente ignorante da sua herança
religiosa.
Mesmo na Diáspora, em países como o México, o Brasil, a França ou a Venezuela, as
comunidades menos "assimiladas" são as sefarditas. Ao contrário, as comunidades
askenazitas do mundo anglo-saxónico, com raras excepções, vão sendo dizimadas pelo
fenómeno da assimilação e dos casamentos mistos. No moderno Estado de Israel, com a
aliá de judeus de todos os cantos do planeta, realiza-se a profetizada kibbutz galuyot, a
"reunião dos exilados" na Terra Prometida, o futuro parece antever um gradual atenuar das
diferenças entre as diferentes comunidades judaicas.
Afinal, hoje em dia, é comum o casamento entre um homem sefardita e uma mulher
askenazi. Ou o inverso. Ou até um homem louro de origem alemã com uma mulher etíope.
A divisão askenazi/sefardita é um produto da Diáspora. O "novo judeu" – ideia romântica
dos pioneiros sionistas inspirados em ideais socialistas –, é cada vez mais uma simbiose
entre os costumes de ambos. Num exemplo caseiro, na mesa israelita é normal encontrarse
hoummous ao lado de gefilte fish. Afinal, pode dizer-se sem cair em sacrilégio que,
tirando o toque especial da avozinha, seja ela húngara ou marroquina, cholent e dafina são
basicamente a mesma coisa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário